Vivemos na sociedade do mal-estar. O que na época de Freud vinha do desejo reprimido em troca de segurança foi substituído na pós-modernidade pela liberdade individual. Bauman diz “Se obscuros e monótonos dias assombraram os que procuravam a segurança, noites insones são a desgraça dos livres”. Acontece que quando a gente fica mais livre, mais a gente fica desamparado. Sempre está faltando algo.

Um problema ético se instaura no ponto em que liberdade acarreta também responsabilidade. Responsabilidade pelos outros e por nós mesmos. A moral dá as caras a partir da liberdade de poder escolher o caminho a ou b. Existem valores que vão nos limitar antes mesmo de nascer. Com base nas escolhas é que a moral se estabelece - ou será o contrário? Quais valores serão levados em consideração quando se é livre para escolher? Visto que a sociedade é uma extensão de casa, podemos pensar que também começa em casa a responsabilidade sobre a liberdade e a democracia. Somos responsáveis uns pelos outros num conflito de amor e ódio.

Na Grécia a Ética se baseava numa vida boa, vida bem vivida. Kant sugere que a Ética está relacionada com ser bom, obedecer as regras, agir de modo reto. Já Freud nos apresenta a Ética da lei, da proibição para regular os instintos primitivos. Por fim, Winnicott surge com a Ética do cuidar, que envolve a responsabilidade da mãe para com seu filho, dizendo que o bebê precisa de um ambiente que o sustente. 

Assim, para tornar-se humano, o bebê precisa do olhar da mãe, precisa ser visto, ser tocado, necessita de um diálogo corporal, é preciso “ouvir com os olhos”. Como diz Dolto, tudo é linguagem, o pré-verbal é linguagem. O bebê precisa do cuidado da mãe para ser alguém. Para além disso, a criança também precisa do Não, uma vez que o Não nos dá um contorno. A criança quer algo macio (cuidado), mas também quer algo duro (lei). É importante que vivencie o dar e o receber - reciprocidade; a esperança e desesperança. O ser humano tem uma tendência à destrutividade, a agressividade humana faz parte da vida desde bebê. O bebê agride o seio que demorou para o alimentar. Mas a perversidade acaba quando o vazio é preenchido. Amor e ódio.

Na clínica, o paciente pode aparecer com o falso self, que é a maneira de viver na qual a ele se adaptou durante a vida, contudo é importante que o analista ajude o paciente e a entrar em contato com o próprio self. É necessário realizar um atendimento sob demanda, como com Winnicott a criança, que precisava reviver o nascimento, escorregava no seu colo - acting out. Ele nos apresenta a clínica baseada na experiência. Para Winnicott, nós elaboramos com o corpo inteiro. Assim sendo, tal como a mãe, o analista também precisa estar de olho na linguagem do paciente, de toda forma em que esta se apresente. Seja no amor, ou no ódio. 

É preciso acolher em um ambiente seguro e com contornos, para que a liberdade e independência possam se fazer presentes.

set/2022